Eu já estava dormindo, e talvez já fazendo funcionar minha máquina de sonhar. Eu achei que todos dormiam, a casa já estava escura e silenciosa. Ouvi passos, pequenos pés rastejavam pelo chão. O barulho era marcante, mas sutil o suficiente para me trazer do sono sem susto.
Abri os olhos e era meu filho, que há sete anos me chama nas profundezas da noite branca e sombria. Devo acudí-lo, apaziguá-lo... espero pelo choro, que desta vez não vem. Por um átimo, me faço retornar àquelas longas noites em que andamos de mãos dadas pelo reconhecimento da vida, em toda solidão de quem acaba de ser colocado nela.
Agora, o silêncio. Ele não me chama, não pede. Não fala palavra sequer, pois já caminhou no escuro por sete anos.
Ainda atordoada e confusa (será um sonho?), indago com voz duvidosa:
__ Algo de errado, filho? O que houve?
Ele responde manso, como quem já está acordado antes mesmo do dia iluminado chegar:
__ Nada, só vim te trazer isto.
Coloca em minha cabeceira um coelhinho de chocolate, embrulhado num papel de ouro reluzente; chego a enxergá-lo de olhos fechados. Não me diz mais nada, não me beija e não fica em meu quarto. Vira as costas, apaga de novo todas as luzes e se vai.
Volto a escutar seus passinhos, e enquanto tento voltar aos meus sonhos, penso no que o trouxe ali. Antes que o sonho comece e a noite impiedosa venha, um último ato, mas este de amor-coragem.
Eu me lembro de cada noite viva porque estava numa travessia sem chances de alcançar o barco. "Você não há de recordar isso porque a noite ainda te ultrapassa, filho".
Meus olhos se fecham e os sonhos se dissiparam para dentro da casa. Você dormia, nem precisei conferir. O silêncio me disse.
4 comentários:
Que lindo, Carol! Tão especial estas "coisas de anjos". ♥
Bjs
Dora
Lindo, Carol! Você é uma escritora.
Ana mãe do Lucas
Ah, Carol. Que ato de coragem! Consegui imaginar daqui a feição dele, sereno. Seus textos são lindos!
Nunca pare de escrever!
Beijos.
Obrigada a todos vocês, que me incentivam! Estou tentando ao máximo continuar. É difícil, mas vale a pena. Beijos.
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