sexta-feira, 24 de abril de 2009

O gosto do não



Alícia demorou a sair de casa naquele dia. Era aniversário do irmão, o que garantia a presença de muitos garotos mais velhos do que ela. Ela sabia que muitos amigos e amigas dos pais iam notar a sua presença, tocar nos seus cabelos castanhos e muito lisos, beijar o seu rosto e dizer coisas agradáveis sobre sua roupa e seus sapatos. Ela não queria ouvir nada disso, não queria estar perto de ninguém e nem responder a todas àquelas perguntas repetitivas dos adultos. O pai pensava que ela não ouvia quando ele justificava suas atitudes um pouco estranhas dizendo: “ela tem dificuldades para se relacionar com as pessoas”. A menina tinha vontade fugir para longe, muito longe. Só queria fazer o que tivesse vontade para variar, mas algo potente impedia que Alícia passasse despercebida: sua estrondosa beleza.

Carlos era forte, tinha a pele queimada de sol e sorriso fácil para o mundo. Ia para onde o vento mandava, aproveitava de todas as situações como se amasse apenas o presente, e seja lá quem estivesse ao seu lado. Era sentimento pulsante, corria mais do que os ponteiros do relógio e se agarrava às suas vontades com uma certeza de fazer inveja. Por onde passava, Carlos era notado. O menino já estava habituado a ser visto, aos elogios recebidos nas ruas por quem nem sequer o conhecia. Ele gostava de receber atenção e conquistava o que queria se aproveitando desse poder de sedução. Ele era lindo e muito amado e isso era intenso demais para que outras pessoas também não percebessem.

Naquela noite Alícia conheceu Carlos e Carlos conheceu Alícia. Aos poucos a alegria do menino venceu a timidez da menina. Eles brincaram juntos, correram juntos, imaginaram voar juntos e comeram no mesmo prato. Carlos fez Alícia sorrir mais, dar gargalhadas e rodar, rodar e rodar num parque improvisado. As estrelas também podiam girar com ela. Ele a ajudou quando ela se machucou; e ela permitiu.

Ele quis ser o mundo dela, e pela primeira vez Carlos pediu um beijo a alguém. E isso foi algo sem precedentes, pois os beijos sempre vinham antes que ele pedisse. Alícia não quis; levou as mãos para proteger o rosto. Por não entender seu gesto, Carlos o ignorou e esperou que ela se esquecesse. Sentado ao seu lado, num momento de distração, deu um beijo leve e imprevisto no seu ombro direito. Seu braço tinha o mesmo gosto da primeira lambida num cobiçado sorvete de morango que ainda não podia ser seu. Nem ela nem ele sabiam, mas esse beijo, nesse dia, dava início a uma longa espera.

Nenhum comentário: