quarta-feira, 4 de abril de 2012

Tecidual



Eu quero navegar pelas arestas da vida a estar pronta a qualquer momento.
Se é no mar que estou, não é possível saber para onde me leva.
Devo ter em mim a prontidão para um não-sei-o-quê.
A qualquer momento posso estar diante do que preciso.
Me afasto para saber por onde perfurar a vida.
E ir arrancando aos poucos seus pedaços carcomidos.
Guardo-os todos.
Depois os teço um a um, num trabalho de velha costureira que não tem tecido.
Minha vida é costura e nasci para remendá-la, mas não me deram o tecido.
Vou pelas bordas, navego sem pressa porque não quero ser vista.
É bom não agitar o mar nem acordar suas sereias.
Não sei se seria capaz de não ser seduzida pela luz das suas escamas.
Eu junto os retalhos que bordo porque o que me interessa é roubar da vida o que ela não pode me dar.
Por isso navego em suas arestas: para conseguir prosseguir.
Por um escandaloso milagre o barco segue, sem direção.
Mas das bordas eu não saio. Não saio não.


Por Carolina Godoi
Foto Fernando Lutterbach em João Pessoa - PE

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