quarta-feira, 25 de abril de 2012

Amor no Corpo

Dois corpos viviam separados pelo espaço.
Seus mundos eram impenetráveis.
Essa distância era simplesmente incalculável,
o que colocava tudo em ritmo de pausa.
Os corpos já se procuravam mas não sabiam que
um corpo só pode encontrar a si próprio.
Era nesse espaço, em separado, que se tornava possível
que dois corpos se articulassem: de longe, sem se possuírem.

Agora os corpos não mais se buscam.
Começaram uma travessia infinita de encontros.
Nesse caminho vão entrar no universo um do outro.
Eles já estão em contato com a vida, nessa caminhada.
Descobrem que o mundo de cada corpo é inalcançável.
O amor está na partida e eles não sabiam.
O amor está no caminho e no que ele tem de resíduo,
naquilo que resta sem excluir a falta.

Os corpos se encontram no aberto, por isso não cabem em si próprios.
Não têm limites e são o próprio limite.
O amor existe e não se dá.
Amar é dar o que não se tem.
É transpor o intransponível.
O amor é imenso, desmedido.
É o infinito a percorrer.
O amor é do exato tamanho de dois corpos.
Por Carolina Godoi - texto livremente inspirado no seminário de Janaina de Paula sobre o livro "Corpus" de Jean-Luc Nancy

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Para onde foram os vaga-lumes?

Por Carolina Godoi



É tanta luz maior nessa cidade, que já não podemos ver aquele pisca-pisca surpreendente dos vaga-lumes. A "pequena luz" ou lucciola, como os italianos os chamam, não está aí tão disponível em nossas noites de verão.
Eles ainda existem esvoaçando em algum lugar?
Foi-se o tempo em que eu acompanhava meu irmão a caçá-los e capturá-los para si, na casa de minha infância. Ele gostava de possuí-los e usá-los como um giz luminoso para suas criações, que geralmente eram feitas em si mesmo. Espremia os pequenos pirilampos na curta camisa branca e saía a voar como um. Por alguns minutos capturava a luz, mas para isso os exterminava. Eu amava vê-los no céu escuro, mas ao mesmo tempo me fascinava com o que meu irmão fazia, espetáculo brilhante e perturbador. No minuto em que a luz deles se apagava, sofria pelos dois.
Ainda me pergunto se gostava mais da surpresa de vê-los ou da sensação da procura interminável que empreendia no escuro da noite. Seus voos são incertos, a união de iguais em miniatura se configurava em desenhos de seres bizarros, mas nunca pensei neles com medo. É para se temer um fogo dentro de algum ser? Sabia que eram fugidios e de certa forma livres, pois em metade do tempo não podiam ser vistos e quando eram vistos, no momento seguinte se disfarçavam em outro lugar. Tinham asas, imagine, não bastava o privilégio dos raios luminosos.
Invejávamos os vaga-lumes porque eles se encontravam e se entrelaçavam numa dança desconhecida e inalcançável entre os arbustos de mil árvores da enorme casa de meus pais. Hoje sei que esses lampejos de machos e fêmeas são para chamarem uns aos outros para copular, mas não sabia que aquela luz tinha algum propósito. Ela simplesmente existia por existir e não ter a resposta era o que me envolvia por completo.
Nesses poucos minutos em que meu irmão retia a micro luz dos vaga-lumes em riscos ampliados, tínhamos em nossos corpos a infância total e sempre alegre, com nossos risos e gritos de alegria e de terror pelo extermínio de tais criaturinhas. Eles existiam aos montes, não era de se recriminar a morte; compensavam os olhos brilhantes do caçula.
Afirmo categoricamente: Apesar de não vê-los, ofuscados por tanta luz, eles ainda existem na distância. Estão pela noite, ainda inocentes como nossas lembranças do passado e uma busca de desejo de um futuro. É preciso não deixar de procurá-los.

Texto inspirado pelo seminário de João Rocha baseado no livro "Sobrevivência dos Vaga-lumes" de Georges Didi-Huberman

sexta-feira, 6 de abril de 2012

MICROPOEMA

PULGA PEGA
PEGA A PULGA
PELA PULGA
TEM PÊLO
A PULGA?
TEM É PENA.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Tecidual



Eu quero navegar pelas arestas da vida a estar pronta a qualquer momento.
Se é no mar que estou, não é possível saber para onde me leva.
Devo ter em mim a prontidão para um não-sei-o-quê.
A qualquer momento posso estar diante do que preciso.
Me afasto para saber por onde perfurar a vida.
E ir arrancando aos poucos seus pedaços carcomidos.
Guardo-os todos.
Depois os teço um a um, num trabalho de velha costureira que não tem tecido.
Minha vida é costura e nasci para remendá-la, mas não me deram o tecido.
Vou pelas bordas, navego sem pressa porque não quero ser vista.
É bom não agitar o mar nem acordar suas sereias.
Não sei se seria capaz de não ser seduzida pela luz das suas escamas.
Eu junto os retalhos que bordo porque o que me interessa é roubar da vida o que ela não pode me dar.
Por isso navego em suas arestas: para conseguir prosseguir.
Por um escandaloso milagre o barco segue, sem direção.
Mas das bordas eu não saio. Não saio não.


Por Carolina Godoi
Foto Fernando Lutterbach em João Pessoa - PE